quarta-feira, 25 de maio de 2011

Sentido de uma vida

Ele sempre acordava pela manhã pouco disposto para enfrentar o dia. Ficava por volta de dez minutos mexendo na cama, fazendo um enorme esforço para despertar. Quando finalmente encontrava as migalhas de ânimo necessárias para levantar, arrastava-se até o banheiro. A imagem refletida no espelho causava espanto, medo, dor – uma mistura de sentimentos e sensações inexplicável, algo distante do plano lógico. A água fria do banho, mesmo em manhãs de inverno, era imprescindível para despertar o corpo. Eram momentos terríveis, a certeza de que deveria sair de casa e ir trabalhar o atormentava. Sentia uma imensa vontade – uma necessidade – de ficar em seu quarto com as densas cortinas fechadas, sem luz, embaixo dos cobertores, sozinho.
Nada o incomodava tanto quanto o sol e os jardins floridos do caminho. Os óculos escuros ajudavam na difícil trajetória de dois quilômetros entre a casa e o trabalho. Além de não permitirem a ação impactante da claridade, funcionavam como um disfarce: ele poderia fingir não ver as pessoas e não ter que cumprimentá-las.
No trabalho, as coisas eram muito mais dolorosas. Vinte por cento dos funcionários do setor tinham pouca ou nenhuma experiência, uma vez que eram recém-contratados. A penosa função dele era treinar essas pessoas, cheias de ânimo e perguntas, forçando-o a socializar. O sorriso cheio de dentes de alguns era um martírio. Vinha-lhe uma pergunta à cabeça: “Por que as pessoas são tão felizes?”
A manhã de trabalho arrastava-se, a hora do almoço era um alívio, ficaria mais de uma hora distante daqueles muito animados novos colegas. Só não era melhor, porque o cheiro de feijão bem temperado e a carne vermelha assada não tinham significado. Um ovo cozido, duas colheres de arroz branco e repolho cru picado eram suficientes. Após o almoço, uma xícara de café e três cigarros o animavam, eram o sinal de que o dia estava com as horas contadas. A tarde era menos desagradável, ele ficava só numa sala ampla, com pouca ventilação. Poderia, em meio a tantos papéis e carimbos, encontrar-se. Ficar só: era disso que ele precisava.
Finalmente, dezoito horas. Hora de voltar para casa. Alguns outros tantos iriam se esbaldar no bar ao lado do trabalho. Ele não, seu único pensamento era a cama, o travesseiro e os velhos sonhos afogados em lágrimas.