terça-feira, 30 de agosto de 2011

Natural

A natureza é, indubitavelmente, uma inesgotável fonte de bons exemplos. Em sua essência, vida e morte se confundem; tornando perfeitas e únicas as relações. Algo, em particular, desperta curiosidade e encantamento: o encontro do Rio Amazonas com o Oceano Atlântico. Duzentos quilômetros depois da foz, há rio no oceano. O portentoso Atlântico aceita – amigavelmente – a existência do Amazonas em seus domínios: espetáculo magnífico. O homem, em sua limitação, apenas observa e admira; não concluindo, porém, que há a maestria do ceder (do servir) em uma lição como essa. Dois gigantes, em tamanho e importância, vivendo juntos sem conflitos e fundindo-se com harmonia.

domingo, 26 de junho de 2011

Onde ele está?

Muitas vezes dito;
poucas, sentido.
Uma pequena palavra:
somente quatro letras.

Um milhão de significados.
É possível fazê-lo?
Onde ele está?
Quem o criou?

São tantos questionamentos,
são muitas indagações.
Ninguém tem a resposta.
Por quê?

quarta-feira, 25 de maio de 2011

Sentido de uma vida

Ele sempre acordava pela manhã pouco disposto para enfrentar o dia. Ficava por volta de dez minutos mexendo na cama, fazendo um enorme esforço para despertar. Quando finalmente encontrava as migalhas de ânimo necessárias para levantar, arrastava-se até o banheiro. A imagem refletida no espelho causava espanto, medo, dor – uma mistura de sentimentos e sensações inexplicável, algo distante do plano lógico. A água fria do banho, mesmo em manhãs de inverno, era imprescindível para despertar o corpo. Eram momentos terríveis, a certeza de que deveria sair de casa e ir trabalhar o atormentava. Sentia uma imensa vontade – uma necessidade – de ficar em seu quarto com as densas cortinas fechadas, sem luz, embaixo dos cobertores, sozinho.
Nada o incomodava tanto quanto o sol e os jardins floridos do caminho. Os óculos escuros ajudavam na difícil trajetória de dois quilômetros entre a casa e o trabalho. Além de não permitirem a ação impactante da claridade, funcionavam como um disfarce: ele poderia fingir não ver as pessoas e não ter que cumprimentá-las.
No trabalho, as coisas eram muito mais dolorosas. Vinte por cento dos funcionários do setor tinham pouca ou nenhuma experiência, uma vez que eram recém-contratados. A penosa função dele era treinar essas pessoas, cheias de ânimo e perguntas, forçando-o a socializar. O sorriso cheio de dentes de alguns era um martírio. Vinha-lhe uma pergunta à cabeça: “Por que as pessoas são tão felizes?”
A manhã de trabalho arrastava-se, a hora do almoço era um alívio, ficaria mais de uma hora distante daqueles muito animados novos colegas. Só não era melhor, porque o cheiro de feijão bem temperado e a carne vermelha assada não tinham significado. Um ovo cozido, duas colheres de arroz branco e repolho cru picado eram suficientes. Após o almoço, uma xícara de café e três cigarros o animavam, eram o sinal de que o dia estava com as horas contadas. A tarde era menos desagradável, ele ficava só numa sala ampla, com pouca ventilação. Poderia, em meio a tantos papéis e carimbos, encontrar-se. Ficar só: era disso que ele precisava.
Finalmente, dezoito horas. Hora de voltar para casa. Alguns outros tantos iriam se esbaldar no bar ao lado do trabalho. Ele não, seu único pensamento era a cama, o travesseiro e os velhos sonhos afogados em lágrimas.

terça-feira, 26 de abril de 2011

Um Coração

Coração bandido e vagabundo,
impresciona-se facilmente.
Não entende a dinâmica
do mundo e das paixões.

Vive alegremente
como uma criança.
À procura de emoções,
cai - cansado - no chão.

Desesperado e sujo de lama,
não ouve os conselhos da mente.
Só quer sentir calor e
bater forte, descompassado.

Iludido, acredita.
Ama muito, confia.
Sente, sorri e chora,
grita, entrega-se.

Não importa como,
não há porquês.
Para se sentir vivo,
somente algo: arritmia.

quinta-feira, 31 de março de 2011

Intolerância

    É estarrecedora a forma como se portou o deputado Jair Bolsonaro, que é integrante da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Federal, no programa CQC, na última segunda-feira. A Constituição, em seu artigo primeiro, elenca os princípios que regeram a sua redação; dentre eles, a dignidade da pessoa humana. Sendo assim, um deputado – que, constitucionalmente, tem a função de zelar pelo cumprimento da Carta Magna – falhou gravemente em sua função. Suas palavras demonstram um sentimento de superioridade em relação à raça negra, tem nuances de um neonazismo debochado que ataca sabendo que não haverá punições. Em sua resposta à cantora Preta Gil, associou a raça negra à promiscuidade, além de ter ofendido a família da cantora:

                  Preta Gil: Se seu filho se apaixonasse por uma negra, o que você faria?
                 
                  Bolsonaro: Preta, não vou discutir promiscuidade com quer que seja. Eu não corro esse risco, e meus filhos foram muito bem educados e não viveram em um ambiente como, lamentavelmente, é o teu.

                  A honrada família baiana, da qual Preta Gil faz parte, é encabeçada por Gilberto Gil, um homem de mente livre, destituído de preconceitos, um artista que muito acrescentou à cultura brasileira. A formação familiar de Preta Gil foi, indubitavelmente, mais sólida que a que tem o filho de Bolsonaro. As idiossincrasias da cantora são um capítulo à parte e devem ser respeitadas, o que não se pode negar é que o discurso dela, nas muitas vezes em que ela vem ao público, é agregador, percebe-se um sentimento de amor que transborda, uma vontade de ser feliz, algo que inspira. O sentimento produzido pelas palavras do deputado devem ter ferido muita gente. Em mim, causou um misto de revolta e nojo. O pior é ter certeza de que, daqui a alguns dias, ninguém mais falará no assunto, e os deputados continuarão se lixando conosco, os “eleitolos”.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Perdeu mano, perdeu!

Mais uma vítima fatal da violência urbana. Indignado? Sim, claro. Não se pode achar natural a morte de um jovem de dezenove anos, jogador de futebol, com um futuro pela frente – clichê dizer isso de futuro. Clichês ditos nascem de ações-clichê. A violência está dando tapas em nossas caras todos os dias e dizendo: perdeu! Sinto-me como em uma guerra em que soldados de duas forças se atacam sem saber os motivos. Entretanto, os motivos são óbvios; de um lado os que vivem uma vida certa (trabalhando, estudando e vivendo em seus mundos), de outro, a vida não tão certa, daqueles que não se conformam com sua situação e revoltados, atiram contra a vida. Matam, porque querem morrer, para não ter que ver a “felicidade” dos outros que têm uma vida “normal”. Complexo: de quem é a culpa? Enquanto não se conclui, ficamos assim: perdeu mano, perdeu!

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Eterna Confusão

Palavras vãs em doces expressões,
passos largos em direção ao nada.
Corações fortes quebrados de paixão.
Mentiras verdadeiras eivadas de razão.

Somos assim: o real paradoxo,
o último e o primeiro,
a dor e a alegria.
Somos o mundo desconexo.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

Imediatismo

Esta é – sem dúvida – a época do fast. Todos querem tudo pra ontem, não se pode mais esperar por nada, prefere-se comer cru a deixar de ser apressado. As músicas não têm mais nenhuma carga emotiva, são medidas por velocidade: um, dois, três . . . Adolescentes não sabem o que é respeito, ninguém sabe o que é respeito. Perde-se um amigo; a piada, jamais. Os sentimentos estão acelerados, as sensações são superficiais. Trabalha-se muito, vive-se pouco. Os relógios parecem loucos, o tempo não para. As piscinas estão cheias de ratos, baratas e outros bichos, mas não há tempo para limpá-la. Perdeu-se a beleza, a sinceridade, a alegria, a verdade. Fala-se muito em uma tal crise político-econômico-financeira; há, entrentanto, uma crise bem maior: a crise de identidade. Na busca desenfreada por emoções, sacia-se a gula com fast-foods, sacia-se a luxúria com fast-fodas; e a angústia provocada pelo vazio aumenta em proporções exponenciais. Não se entende que o sentimento do nada “dentro” da alma é provocado pela falta de amor. A vida vai passando, emoções se esvaindo, corações que se partem, dores incontestavelmente provocadas pelo desejo imediato – saciado ou não.